Luciano Elia (*)
Quanto mais velho eu fico, mais horror eu tenho do capitalismo. Há quem, com a idade, comece a amalgamar as coisas, adaptar-se, sei lá. Como sempre fui meio anormal mesmo, contrario isso e tenho mais e mais clareza de que o capitalismo é mesmo uma praga venenosa. Vejam: ele contém a CAUSA do que deteriora todo e qualquer projeto, programa ou processo de trabalho. O caso da saúde é exemplar, mas isso vale para tudo. Quando o elemento LUCRO entra nas considerações das políticas públicas, o custo de procedimentos, dispositivos, métodos toma o primeiro plano e o Estado começa a funcionar na lógica empresarial, que os espertos e tolos (são a mesma coisa) chamam de otimização gerencial. O governo deixa de querer GASTAR o que economiza nas áreas que demandam investimento sem retorno (pura perda), ainda que, a médio e longo prazo, o retorno acabe por se materializar em níveis mais elevados de civilidade, eficiência profissional, capacidade científica da sociedade civil, saúde física e mental, qualidade de vida, etc. Mas o capitalismo não sabe o que é um verdadeiro bom negócio. Aparentemente, ele visa o ganho maior, mas, como os neuróticos, não é nada disso que ele obtém. Só produz e obtém prejuízo: na vida social, nas condições ambientais, na violência (que obviamente causa prejuízos de várias ordens), nas drogas, no sofrimento psíquico, enfim, é a peste moderna.
Vejamos o caso dos governos do PT (que no entanto são o que já se fez de melhor até hoje no Brasil em termos de governo, e por isso vive cercado de um espírito golpista das elites da direita, é preciso cuidado com isso e com as críticas ao governo, mas não precisamos blindá-lo dos efeitos do pensar crítico, como se fôssemos idiotas e, eles, frágeis cristais): apesar dos programas sociais indiscutivelmente benéficos e que retiraram a maior parte da população da lama da miséria, o governo segue a lógica da privatização da gestão (que deveria ser inteiramente pública) da saúde, através das malditas OSs (é patético ver como é que são elas que gerenciam tudo na saúde mental das grandies cidades brasilleiras como Rio e São Paulo), dos hospitais universitários federais, que passam a ser administrados por uma empresa (EBSERH)!
Mas como a idade traz também redução de ingenuidade, não proporia uma guerra ao capital. Sei que o mundo parece inviável sem ele, e talvez seja mesmo. Se temos que incuir, amalgamar o capital, por que não pensamos em formas de fazer isso reduzindo os danos, inevitáveis e indefectíveis, dessa praga coextensiva e inerente à condição coletiva do homem, ao laço social? A mais-valia, identificada por Karl Marx (engraçado, tem alguém no FB que se dá esse nome…), é a causa do sintoma capitalista, assim como o mais-de-gozar, conceituado por Lacan sobre o eixo discursivo de Freud, é a causa do sintoma neurótico. A experiência da análise produz mais-de-gozar, mas de forma a desprendê-lo do laço, soltá-lo, reapropriando-o como agente e causa não mais do sintoma mas sim do trabalho do sujeito a partir de sua divisão. O que pode ser feito, em escala ampla e social, comparável a este dispositivo genial que é a análise, de modo a soltar, desprender a mais-valia do lugar de causa das pragas sociais, políticas, do mundo atual?
POR UMA RELAÇÃO NÃO CAPITALISTA (=DOENTIA) COM O CAPITAL!
(*) Psicanalista, membro fundador do Laço Analítico e professor titular da UERJ.
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