
Janilton Gabriel de Souza
Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia pela UFSJ. Professor Universitário do Grupo Unis – Graduação em Psicologia, onde também é supervisor clínico. Membro fundador do Interfaces em Psicanálise – Núcleo de Pesquisas e Estudos. Colabora com o Instituto Internacional de Psicanálise (IIP). Mantém seminários da obra freudiana e lacaniana, trabalhando atualmente com os últimos seminários de Lacan e com a topologia. Trabalha em seu consultório de forma presencial e online.
Ao final da aula de Psicanálise na faculdade, uma aluna questiona quais seriam as “fórmulas” para resolver os problemas com os excessos, exemplo: comer demais e sofrer além da conta. A origem da palavra “fórmula” vem do latim formùla,ae, diminutivo de forma, que significa entre outros sentidos, “aparência”. Assim, convido a leitora e o leitor a analisar o sofrimento psíquico e o caminho de suas saídas. Deve-se levar em conta que a “aparência” de resolução, apesar de sedutora, contrasta-se ao trabalho árduo a se fazer no processo de “cura”.
A jovem estudante ao indagar-me das “fórmulas” esperava a recomendação de técnicas de aplicação e controle. Isso porque as pessoas acostumaram-se a encontrar respostas em uma espécie de prateleira: a alguns cliques nas soluções mágicas do Google ou em aconselhamentos de “influenciadores digitais”. Essa busca, muitas vezes, visa silenciar o mal-estar o mais rápido possível e toda proposta que porta essa “aparência” de “atalho” torna-se encantadora. Entretanto, essa “aparência” tem dois efeitos colaterais. Primeiro, contrasta com a riqueza e a complexidade humana. Segundo, ao ofertar uma “forma” de resolução a ser aplicada, conduz ao empobrecimento e à perda da própria experiência.
Portanto, pode-se dizer que sempre existem dois caminhos, um curto e longo; outro, longo e curto. O primeiro é escolhido visando a resposta rápida, que a longo prazo torna-se insuficiente e empobrecida, mostrando um caminho longo, vez que a resposta dada fora apenas em torno de si e de suas ilusões de simplificação. O segundo se mostra longo à primeira vista, por propor um trabalho de construção, o qual não se faz da noite para o dia. A primeira trilha é como a compra de um imóvel, projetado e construído no território, que era do outro e vendido a partir da ilusão de um espaço de felicidade plena. Apesar da satisfação, momentânea, da compra e mudança à casa, logo o sujeito começa a viver a experiência de “estar sem lugar”. Isso acontece, pois quem compra um imóvel perde a experiência da construção, a qual pode escolher cada canto onde o desejo habitar.

Freud escreve um belo texto em 1937, chamado de “construções na análise” (Konstruktionen in der Analyse, na versão alemã original) em que fala: “O seu trabalho de construção, ou, se preferirmos, de reconstrução, mostra uma ampla coincidência com o do arqueólogo, que escava uma moradia destruída e soterrada ou uma construção do passado”. Essa dupla, analisando (paciente) e psicanalista, irá trabalhar juntos, na mesma paisagem. O psicanalista precisa inferir o que foi esquecido ou ignorado pelo sujeito por meio dos sinais encontrados naquilo que escuta. Na metáfora criada, precisa compreender cada objeto presente ou ausente no território do paciente, bem como provocar o seu movimento, de forma a dar-se conta de cada objeto e sua função. Muitos objetos podem estar estragados ou não ter mais utilidade, a não ser a de preencher um espaço e cercear o movimento.
A Psicanálise é uma proposta de construção a se fazer com o sujeito em um tratamento. A título de comparação, o psicanalista, inicialmente, tem a tarefa de um engenheiro, a de conhecer o terreno e a construção edificada por esse sujeito. Em um segundo momento, tem a função de um arquiteto, partindo da escuta, precisa mapear os desejos do paciente e criar junto com ele arranjos possíveis. Os neuróticos constroem um pequeno e único cômodo em seu terreno. Nesse quarto, permitem-se apenas viver, no restrito espaço, que, por vezes, vira sua prisão.
Tudo isso leva ao reconhecimento, fundamental a um processo de re-construção, cujo objetivo é a pessoa desejar edificar outros espaços, que permitam a circulação em seu território. Será a partir disso que terá como viver outras experiências, além da experimentada em seu quarto. A Psicanálise torna a vida do sujeito mais rica, pois, assim como o arquiteto agrega valor à casa, a análise agregará à vida, permitindo ao sujeito produzir novos espaços em que viverá experiências de prazer diversas.
A Psicanálise deve conduzir o sujeito além de uma “fórmula”, pois ela guarda o sentido reducionista de uma “forma”. O paciente precisa sair do estado “hipnótico” da imagem, da aparência, da única “forma” para a experiência de trans-formação. Afinal, o prefixo “trans”, que deriva do latim, significa ir “além de”. Por isso, acredito que, por tais razões, o psicanalista italiano Contardo Calligaris repetia, que “a Psicanálise torna a vida mais interessante”, em outras palavras, mais rica de experiências de satisfação. É o movimento e a construção feita que permitem um desejo habitar a vida, essa última, sempre a ser re-inventada, pois como nos lembra o poeta Ferreira Gullar (1975), em “Poema sujo”: “O homem está na cidade / como uma coisa está em outra / e a cidade está no homem / que está em outra cidade”.
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