É sobre tempo vazio, de ausências de expectativas e o abarrotamento delas que refletirei, hoje, com você, caro leitor. Escrevo na semana anterior ao pleito do segundo turno. A essa altura de sua leitura suponho, provavelmente, que ainda esteja vivenciando as mais diversas ansiedades sobre esse momento ou já terá ido votar, talvez até saiba o resultado das eleições. Tranquilize-se, sei que já deve ter visto e ouvido demais nas últimas semanas ou até se cansado de saber a respeito, mas antecipo o spoiler da minha fala, não irei dizer de nenhum candidato à presidência e nem pretendo me somar a mais um dos seus “especialistas”.
Tais advertências são necessárias para que possamos ter um diálogo. É provável que você possa “estranhar” essa abordagem, todavia em tempos em que todos transformaram-se em conhecedores da “verdade última” e inquestionável, o contraditório perdeu lugar e a certeza ocupou essa posição. As redes sociais e os seus algoritmos o aproximam daquilo que acredita ou gosta e, também, do que odeia. Se você pesquisa por “Janilton psicanalista” no Google, por exemplo, é provável que depois de um tempo começará a relacionar-se com conteúdos semelhantes, poderá aparecer um anúncio falando bem ou mal dos psicanalistas e até depara-se com um link para acessar o meu site. Todo esse universo de algoritmos digitais pode nem sempre levá-lo a saber mais sobre Psicanálise, mas aferrará a ideia que já tinha, afinal cada vez mais encontrará conteúdo a favor ou contra. Se acredita na Psicanálise, tenderá a crer mais e, se condena sua convicção, encontrará, ainda, mais material a respeito.
Depois de um tempo, provavelmente, você estará em um grupo que reúne características iguais a sua. Se amante da Psicanálise tenderá criticar àqueles que a desconsidera e se for contra encontrará nos pares o mesmo discurso de ódio. De qualquer forma, de um lado ou de outro, ambos precisam da eleição de um inimigo para sua mantença e a convicção inabalável em uma crença para estarem juntos. Quem ousar contrariar será expulso do grupo. Nesses grupos, é possível potencializar os mais inconfessáveis desejos como o de matar, roubar, explorar o outro e seu corpo, abusar de pessoas em condições inferiores, trair, além de revelar os preconceitos, medos e até a repulsa do sexual de cada um, seja de qualquer espécie for.
Nos grupos se produz uma certeza compartilhada, a qual o outro funciona como uma espécie de espelho que confirma aquilo que se pensa. Evidentemente, ao conviver percebem-se alguns traços do outro que podem incomodar, afinal se está junto na “alegria e na tristeza” ou melhor dizendo “na bondade e na maldade”. Diante desse último atributo, costuma-se sentir um estranhamento, ou aquilo que Freud designou de “Unheimliche”, termo em alemão que designa estranho e inquietante.
É fácil estabelecer laços quando esse estranhamento não acena para o sujeito. Diante desse lado ruim de cada um, ergue-se um muro e tenta-se aniquilar o outro por ele possuir aquilo que tanto se condena e odeia em si. O muro, nas últimas semanas, tem sido mantido através dos agrupamentos coletivos, como o WhatsApp. A muralha pode existir, ainda, por medo de o outro ameaçar a crença do sujeito e aquilo que supõe ser. Essa eleição mostrou o quanto a dimensão do “ser” foi desvelada. Ou se é isso ou aquilo, uma dualidade em que reside apenas um lado da verdade. Um problema de saída, afinal a verdade só pode ser pensada na sua multiplicidade e jamais na sua inteireza.
Permita-me apenas uma observação: O sujeito humano é carente de ser, como o psicanalista Jacques Lacan sublinhava, o que se tem é apenas uma “falta-ser”. Essa talvez seja a dureza desse escrito, pois pouco importa o quanto você negou e contestou, “não sou PT ou não…” Você, caro leitor, não é mesmo nem PT e nem aquilo que supõe ser enquanto pessoa. Antes que você queira perguntar quem é esse cara que escreveu isso, apresso-me para dizer que não sou psicanalista, apenas ocupo-me dessa função ao longo do meu dia. De igual maneira, ocupo-me da função de professor universitário, pesquisador e, para lhe dizer a verdade, não toda, claro, pois é o que me cabe e a qualquer humano, escrevendo-lhe até aqui estive em mais uma função a de escritor e você de leitor. Isso não diz tudo nem de você e nem de mim, mas quem se importa com isso quando a palavra, apesar de não dizer tudo, permitiu chegar até aqui?
(*) Psicólogo e Psicanalista. Professor universitário, Unis-MG. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Contato para atendimentos psicológicos (35) 3212 6663 / 99993 6663.
Muito bom seu artigo. Parabéns pelo lindo trabalho. Sucesso sempre.
Obrigado Valéria por sua apreciação!