Janilton Gabriel de Souza
Desde que me entendo por gente, e consequentemente por sujeito, percebia algumas manifestações estranhas em mim e nas pessoas. Cresci assistindo elas nomearem esse estranho das mais diversas formas.
Mas quem quer saber onde é a nascente do rio, o persegue até que um momento essa que seria tão distante e estranha pode ser conhecida ou em se tratando de inconsciente reconhecido. Uma das coisas que me intrigava não era durante o dia, mas à noite, os sonhos. Sei que muitas pessoas deixam e fazem questão de deixar passar esse momento tão significativo de lado, seja esquecendo-os ou dando sentidos generalistas a partir do jogo do bicho ou mesmo dos livrinhos que hoje fazem sucesso, que você procura o que sonhou e ele lhe diz o significado. Prático não? Para quê uma analise com um psicanalista, que demanda trabalho e investimento se o livro já trás o norte, mas entrar em um ônibus só porque é gratuito sem saber para onde ele vai parece uma armadilha. E de fato é, captura todos aqueles que não querem descobrir o que há de seu nesse processo. Mas, o trabalho na clinica revela àqueles que se propõe essa experiência a chance de saber em que ônibus vem seguindo sua vida e acima de tudo em qual ela deseja escolher para seguir viagem.
Para muitos a primeira vinda para uma análise é a sensação mais estranha possível, principalmente, por falar nesse contato coisas tão intimas, tão suas, que muitas vezes nunca foi dito a ninguém. O encontro com o analista é uma metáfora do encontro com o inconsciente, um estranho, que apesar disso não cessa de produzir seus efeitos. É buscando nesse lugar, com um sujeito que nunca se viu, que o inconsciente pode mostrar sua face. É ai onde coisas corriqueiras, como por exemplo, uma palavra trocada, um nome esquecido, uma alergia sem explicação na medicina (um sintoma), podem ser decodificado. E é exatamente falando, sem discriminação, tudo aquilo que lhe passa à cabeça (o que chamamos de associação livre), que o inconsciente pode emergir. Isso tem uma explicação na frase de um importante psicanalista, Jacques Lacan: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Assim como nosso consciente tem uma organização, o que permite eu escrever este texto para essa coluna com o mínimo de organização e lógica. Já no inconsciente a linguagem é diferente, própria e única. Talvez você se pergunte, mas porque eu não sei desse inconsciente? Primeiro antes que um gramático mande me prender, começo explicando por essa via: se fosse consciente não haveria necessidade de contrastá-lo ao um “oposto”. E não se sabe, justamente porque nosso aparelho psíquico, possuí uma barreira de censura, que impede a revelação total do inconsciente. Na tentativa de desvendá-lo muitas pessoas recorrerem à hipnose e outros meios. Mas, eis o aviso aos que querem entrar na embarcação, não resolve nada entrar no mar para descobrir como se pilota um navio, se não se permitir assumir a direção. Um pequeno adendo é necessário, Freud que descobriu o inconsciente e lhe deu caractere psíquico, bastou-se da hipnose para conhecer o inconsciente, mas desta técnica, mais tarde, abriu mão por não ver surgir efeitos na vida de seus pacientes. Passando em outro momento a se concentrar no porque os pacientes esqueciam lembranças importantes, focando nas resistências destes ao tratamento. Em tom de brincadeira seria se perguntar por qual razão o gato foge da água. Alguns se contentarão com a ideia que ele foge porque tem medo de água, mas essa é uma suposição e não a resposta em si.
Por fim, gosto de dizer que há uma coisa que é única – nossa vida. E aqui carreio dois sentidos: a que a nossa vida é única, não há chance de voltar; e que é singular, ou seja, cada qual é um e, portanto, passível de escolhas. Alguns optarão por sempre estar em um ônibus não se importando de onde ele veio, muito menos para onde irá, ou na ideia do barco: estarão no navio como passageiros tentando descobrir como pilotar, mas o contrassenso disso? É que só dá para saber como se pilota a vida pilotando: atravessando as marés (resistências), as dificuldades (angustias), certo de que se houve atraso ou algo deu errado, o piloto fez ou deixou de fazer sua condução com perícia. Só investindo e se comprometendo com seu fazer é possível sentir o prazer de se deslizar sobre a água e viver em cima dela, com todos os percalços, mas em cima dela, deslizando e não no fundo do mar, estacionado. O barco é um só, mas o piloto escolhe em que lugar ele quer ficar!
*Psicólogo clínico atuante a partir da psicanálise, educador e pesquisador da UFSJ. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira.
Texto originalmente publicado no Jornal Folha de Varginha e também disponível em:
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