Luciano Elia (*)
Na sexta-feira, 31 de janeiro, ocorreu um crime GRAVÍSSIMO no Flamengo, bairro histórico da Zona Sul do Rio de Janeiro, próximo ao centro e um dos primeiros a existirem na cidade e onde por acaso também moro eu. Um jovem de 17 anos foi amarrado com corrente de bicicleta em um poste, nu, e foi espancado por 3 caras fortões, lutadores de academia (ao que tudo indica), sem nenhum neurônio no cérebro além dos eferentes motores que controlam a musculatura estriada, como retaliação justiceira pelos assaltos que vinham ocorrendo no bairro e no Aterro. Este ato, no entanto, é criminal, civilizatória, ideológica, ética e politicamente muitíssimo mais grave do que os assaltos que eles pretendem punir com as próprias mãos. Isso é fascismo, base de genocídio, de assassinatos em massa e não de assaltos lesivos à integridade patrimonial e corporal dos cidadãos. O assalto é uma violência inaceitável, pois, além de lesar materialmente a vítima, pode lesá-la corporalmente de forma grave, inclusive matar. Precisa ser combatido, inibido, punido, mas sobretudo tratado no interior da trama que o determina, que é política e social, muito além de ser educacional e moral. Mas o espancamento por trogloditas descerebrados, para além da violência que encerra em si mesmo (e me desculpem o anti-humanismo, mas isso é o que menos me preocupa nesse ato, a violência física que ele encerra) é signo de uma peste terrível, de difícil reversão quando instalada: o nazi-fascismo, cujo flagelo é incalculável, danoso, desastroso para uma nação.
Mas temos um terceiro nível da barbárie, não sei nem se não seria o pior de todos: a dita psicanalista que, consultada, pelo jornal O GLOBO (está na página 10 da edição de hone, 4/2/14), de forma nada inocente poir parte deste jornal, diz, EM NOME DA PSICANÁLISE, vejam bem o descalabro, que este ato de “vingança” é “instintivo” e “vem do inconsciente”, e é “impulsionado por ódio, por rancor. E pior. afirma que “pesquisas feitas com bebês mostram que o ser humano nasce com esse comportamento [???!!!]”. Que comportamento semelhante a esta barbárie teriam os bebês da dita pesquisa? E prossegue, dizendo algo de insólito e absurdo, sobretudo em termos do bebê: “Quando as pessoas vêem que as autoridades não estão dando conta de garantir a segurança, [OBSERVEM O TOM COMPREENSIVO:]… “acabam fazendo justiça com as próprias mãos”. Acabam, entendem? Coitadas, fazer o quê? Já tem essa tendência inata, nascem com ela, exibem-na desde bebês, e ainda por cima se vêem inseguras pela omissão das autoridades… acabam fazendo isso, entendem? O tom se confirma no final: “Sei que é difícil, mas as pessoas precisam controlar os instintos…” Segura a onda justiceira, inata, instintiva, bravo peão lutador, faz esse sacrifício, faz!”.
Bem, fora as loucuras ideológicas, as impropriedades psicanalíticas pululam: Há instintos no inconsciente freudiano? Ou Freud falou das “Triebe”, que são coisa completamente diferente? E, caso haja, uma atitude como este ato criminal de espancamento, tão obviamente determinado por uma multiplicidade de fatores culturais, políticos, sociais, psíquicos (e, neste aspecto, não por instinto, mas por distúrbio mental grave) pode ser reduzida a instintos, caso houvesse, e, dentre esses, “instintos de ódio justiceiro”? Como psicanalista, professor titular de psicanálise e com outras funções na vida decorrentes disso quero expressar meu mais contundente REPÚDIO a que alguém que se diz psicanalista, doutora em Psicanálise pela USP, venha a um jornal como O GLOBO dizer tantas e tão perigosas barbaridades. Um desserviço a uma psicanálise séria que sua a camisa para trazer ao campo social e público a sua decisiva contribuição.
Como se vê, temos 3 níveis de barbárie: 1º) assaltos, 2º) espancamento fascista de jovens (menores) assaltantes e 3º) declarações de uma “psicanalista” que assassina a psicanálise para compreender os espancadores através do seu (de quem?) instintivo inconsciente. Onde vamos parar?
(*) Psicanalista, professor titular da UFSJ e membro fundador da Escola de Psicanálise Laço Analítico.
(Fonte: o texto foi extraído do perfil do facebook do autor)
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