*Janilton Gabriel de Souza
Escrever nesse mês é sempre emocionante para mim, pois foi nele que publiquei o primeiro texto, em 2011. De lá para cá, nunca deixei de escrever um mês sequer. Houve artigo que editei no celular, em computador de amigo e até no computador do meu orientador de mestrado. Houve mês que a internet me deixou na mão e fui bem tarde da noite levar o escrito na redação. Muitos artigos foram corrigidos até por telefone. Em alguns meses, fui capaz de produzir até mais de um texto em outros que a escrita rolou na última semana. Valeu e vale cada mês. Desde o início coloquei-me o desafio de experimentar e viver muita coisa para ter o que compartilhar com aqueles que devotam seus minutos à coluna.
Aprendi duas lições importantes. A primeira que a escrita, assim como muitas obras de artes, flui em um tempo nada cronológico: Quantas vezes deitado para dormir o texto fez-me levantar e escrevê-lo. A segunda lição veio a partir do limite de tempo para entregar e de linhas para escrever, que sempre foram um desafio, mas sem o qual não teria escrito nada. Sempre mantive o hábito de ter alguém que lesse o escrito, criticasse ou simplesmente dissesse que não tinha entendido uma linha sequer, isso permitiu seguir escrevendo. Inventei um estilo de fala com o leitor ou vários, experimentei. Passei a apagar textos que julgava não serem bons.
Para sustentar um desejo é preciso mais do que coragem, para aquele que o faz há que se implicar e trabalhar muito. Desejo, âmago do humano, significa movimento e foi escrito nesse espaço mensalmente ao longo do ano. É o movimento que nos leva à vida e não o contrário.
Por falar em vivências para compartilhar, ufa! Esse ano foi repleto de muitas delas. Tive a oportunidade de reencontrar com a trilha sonora que marcou minha adolescência, a banda Queen. Sempre fui fascinado pela capacidade de Freddy Mercury de inventar. Lembro que quando ouvi pela primeira vez o CD da banda chamou-me a atenção o fato de haver hits com estilos diferentes. Saía de uma explosão como “Radio Ga Ga” e era possível ouvir o silêncio ritmado de “Love of my life”. Este ano a viodeografia, “Bohemian Rhapsody”, da banda lançada nas telonas fez-me deparar com aquilo que escutava sem saber, a capacidade de inventividade de Freddy e seus companheiros.
Nela vemos o talento vocal de Freddy Mercury e sua capacidade de seguir na direção de seus desejos. Quando apresentou-se para a banda, que virou os Queen e havia perdido o vocalista na época, Freddy sofreu chacota dos membros em função dos seus dentes. Mas Freddy começou a cantar e isso chamou a atenção dos integrantes, que perguntaram a ele se tocava algum instrumento e ele respondeu, apenas “canto”. Vemos aí uma enunciação de um desejo de Freddy. Já com a banda assistimos a algumas atrapalhadas suas com o microfone, o que seria um problema ele transforma em um traço ou marca sua nos palcos.
O que chama atenção é sua capacidade de transformar defeitos aparentes em uma nova roupagem ou característica sua, além de frente às dificuldades lançar-se em invenções, o que na música e clipes foi, verdadeiramente, uma marca sua. É possível ver Freddy como sempre inconformado, metáfora de seu desejo, insatisfeito. Mobiliza-se para realizar uma criação, aproveita o processo e a satisfação de seu findar, mas em seu fim já anseia outra criação ou nas palavras psicanalíticas, um novo objeto de satisfação. Isso flui durante certo tempo, até que os dispositivos simbólicos que faziam o papel de lei como sua companheira, a sua família e os amigos deixam de ocupar essa função. É a partir daí que vemos o gênio da música perder-se, induzido por um “amigo/companheiro” a assinar um contrato de carreira solo. Será na companhia dele que Freddy tentará dar vazão à ideia de poder criar músicas mais ousadas. Entretanto, não é o que acontece. A ausência da função que os amigos de banda tinham não o permite fazer grandes avanços, na verdade é o contrário, será nessa circunstância que vemos Freddy entrar em uma fase destrutiva e de riscos. Momento que tenta viver uma satisfação sem restrições, até esbarrar no limite máximo de uma vida, a própria morte anunciada com o diagnóstico de AIDS.
É sua resposta a isso que, talvez, o recoloca na dimensão desejante e inventiva. Em uma cena, ele reúne com os membros da banda, fala que havia sido infectado pela AIDS e queria fazer músicas o quanto pudesse. Ele o faz e deixa um legado de invenções musicais totalmente inovadoras para época.
O desejo é isso, uma aposta de que fazemos de um jeito e não de qualquer maneira. Ele é radical, reconhece os limites em jogo e as perdas presentes em qualquer escolha. Esse limite, ou o que Jacques Lacan teoriza como sendo o Real, é estrutural ao humano, não podemos prescindir dele ou entramos em uma via de tentativa de puro gozo, que a ilusão sintomática tenta fazer existir. Lançar-se ao possível nem sempre é pouco. Insuficiente é quando se fica parado diante das limitações, o que traduz em desespero quando o ano está findando. Apostar no possível pode ser muito, pois é assim que se caminha, na amplitude de seus próprios pés, fazendo assim, pode parecer que um ano foram muitos em um só. Freddy inventou músicas e novos jeitos de fazê-las, eu anseio por novas descobertas nesse papel de jornal e no caráter virtual do blog, quem sabe em novos formatos?
*Janilton Gabriel de Souza
(*) Psicólogo e Psicanalista. Professor universitário, Unis-MG. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Contato para atendimentos psicológicos (35) 3212 6663 / 99993 6663.
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