Por Janilton Gabriel de Souza (*)
Que ilusões são vendidas hoje às pessoas como caminho de solução ao seu mal-estar? Quais produtos ou serviços o mercado oferece àqueles que sofrem?
A antecipação da Organização Mundial de Saúde de que a depressão se tornará em 2020 a doença que mais afastará as pessoas do trabalho parece mostrar um grande problema. Além da questão diagnóstica da depressão, que tratei em outro artigo, há que se considerar que todo tipo de tristeza passou a ser remediada, o mais rápido possível de preferência. O encurtamento do tempo de luto pela morte de um ente querido ou mesmo pelo fim de um relacionamento traz a marca da tentativa de anular o sofrimento, quer por meio dos medicamentos ou de um novo relacionamento. Em ambos os casos, há a tentativa de aniquilar o sofrimento inevitável de uma perda.
O documentário “Quanto Tempo o Tempo Tem” (2015, direção de Adriana L. Dutra) faz uma análise interessante sobre a temática na contemporaneidade: um tempo atrelado ao capitalismo, que prega “time is money”. Diante desse discurso capitalista, que é orientador em nossa atual sociedade e amparado pelo discurso das ciências, os sujeitos passaram a se sentir culpados por ficar com o tempo livre.
Na lógica capitalista, o imperativo “aproveite cada segundo” produz sentimento de culpa, afinal o sujeito tenta preencher todo seu tempo com atividades, que o levariam para o sucesso. O sucesso quer dizer sempre brilhar diante dos demais. Os olhos dos outros que tudo veem reabastecem a ideia de sempre estar sendo vigiado. Nesse sentido, a culpa e a vergonha são primas próximas. Em resumo, sente-se envergonhado por não corresponder às expectativas do outro e culpado por não fazer mais ou por não ter aproveitado o tempo livre para não fazer nada produtivo.
Nesse cenário, surgem serviços ou junções epistemologicamente estranhas, para não dizer, que vendem o caminho da “salvação” do mal-estar. Ao contrário do século passado cujo alvo era ir para o céu, o chegar ao céu de hoje significa o “sucesso” (reconhecimento e dinheiro). Não se sente apto para esse sucesso? Calma, existem no mercado as promessas de mudanças radicais que vêm com o nome de coaching (vertente derivada da Administração de empresas, que prega o alto desempenho. É um novo nome para a autoajuda, muito difundido no começo de nosso século).
Também ganha espaço o PNL (Programação Neurolinguística), que propõe passos transformativos com ações positivas. Dessas uniões epistemológicas, ainda, temos as misturas de psicologia coaching e até Teologia Clínica, que se dispõe a juntar a Psicanálise e a Teologia. Essa última parece cindir na dureza dos dois campos (Religião e Psicanálise), tentando ignorar todas as partes que causariam um desconforto ou, nas palavras freudianas, um desprazer. Qual a finalidade disso? Criar uma metodologia que apresente o caminho para o bem-estar, esse nutrido pela ilusão de um mundo feito sem conflitos e de um gozo pleno de satisfações.
Recentemente, a novela “Outro lado do Paraíso” da Globo ousou colocar uma coaching para atender uma pessoa com histórico de abuso. Como alguém que faz um curso de meses pode tratar outra pessoa? Não é só a falta de uma construção de um saber, mas é a tentativa de ignorar a complexidade do problema que é nefasto. Alguns se perguntam nas rede sociais: seria a cena patrocinada? Seja ou não, parece um merchandising de nossos tempos, cujo objetivo final é comercializar respostas ao sofrimento, ao custo de transformar o sujeito dividido em uma imagem de igualdades e perfeição. A própria imagem carrega em si a concepção de uma unicidade, de um sujeito preso a um investimento só, apenas em si. Para isso, nunca deve existir espaço para a falta, o erro e a dúvida.
A questão é: desde quando uma sociedade doente virou um negócio? Antes era a internação de quase todo tipo de pessoa em um hospício, tal como narrado por Machado de Assis em “O Alienista”. Nesse serviço eram necessários médicos para internação. Agora, os homens de negócios se tornaram ou querem se colocar como aqueles que prestarão esses serviços àqueles que sofrem. Para convencer, boa propaganda ou marketing, como: “o coaching é um diferencial”. Um linguajar administrativo e repleto de ignorância, afinal, a última coisa a ser considerada em tais programas de transformações radicais é a diferença e a singularidade de cada caso. Nesse aspecto, a Psicanálise é um fazer que considera o singular e aposta em um caminho inventado para cada sujeito. Ela é uma aposta e jamais deve-se acreditar que seja a única para todos. Qualquer psicanalista que a considere como a “salvação da humanidade” deveria migrar para uma denominação religiosa. Não existe transformação sem uma dose de investimento e sem lidar com a complexidade disso. Nesse caso, caminhos curtos são sempre longos e o convencimento do contrário deveria receber o prêmio de melhor propaganda do ano, embora enganosa.
(*) Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei, onde também contribuí como pesquisador. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Para agendar consulta com o profissional, clique aqui.
(Artigo, originalmente, publicado no Jornal Folha de Varginha)
Sem Comentários