Janilton Gabriel de Souza*
Ao final da conversa, ela diz: “Foi bom falar com você, estou melhor. É bom a gente falar, dá um alívio”. Ouvindo-a, replico: “alivia, mas não resolve”. A fala acalma o sujeito, tanto que uma paciente de Freud a chamou de “uma limpeza da chaminé”. Vários mecanismos proporcionam a mesma sensação, como as drogas e os remédios. Qual a diferença entre a função de um amigo e do psicanalista?
Minha amiga, naquela noite, queria alguém com quem pudesse falar, “de seus problemas”, como relatou. Um bom amigo é um bom ouvinte e até conselheiro, é capaz de ponderar e dizer sua visão sem receio de magoar o outro. Descrevi para ela as dificuldades que superei, graças ao meu próprio tratamento com um psicanalista. Afinal, um psicanalista é um paciente de longa data no divã, que superou muitas de suas questões psíquicas e passou a desejar analisar outras pessoas. Nessa troca, ela me contara de seus problemas e da dificuldade de fazer suas coisas. Marcava a todo tempo que antes não era como hoje e a solução de seus problemas, a seu ver, era degolar seu namorado.
Depois de ouvi-la, como amigo, apenas ponderei que qualquer ação que ela quisesse tentar fazer, com relação a ele, não daria em nada. Contei situações parecidas que tinha vivido. Ela completou: “olha como sua namorada lhe fez bem, como vocês parecem caminhar com leveza e com sintonia”, “veja o quanto você amadureceu”. Concordei. Entretanto, não deixei de acrescentar que pessoas como minha namorada provavelmente passaram em minha vida, mas, em virtude de minha neurose e de meu sintoma psíquico, eu havia feito outras escolhas, talvez, parecidas com aquilo que eu era. Certamente, só fiz uma escolha mais adequada para mim, hoje, porque algo se modificou através do meu tratamento.
Em nosso universo psíquico, é como se tivéssemos um novelo de linha que vamos desenrolando. Em certos momentos nos embaraçamos com o próprio fio e, às vezes, damos nós. Quando isso acontece, não conseguimos desatá-los sozinhos. Pode ser um nó, mas é o nosso nó, em outras palavras, ele segura algo valoroso, meu sintoma. Como psicanalista e como amigo, não poderia forçá-la a querer cortar seus nós, sem ajudá-la a fazer algo com sua linha. Fiz o que melhor podemos fazer com alguém que diz e te mostra problemas nas roupas, sugeri um alfaiate. Nesse caso, indiquei um psicanalista. Ela mesmo reconhecia que precisava. Todavia, sei que não será a precisão ou necessidade que a conduzirá à análise e sim o querer. Espero que esse querer grite mais alto e, na próxima vez, falemos de corte e costura, de suas palavras, com seu alfaiate, seu psicanalista.
Queremos ver amigos e pessoas que estimamos desatarem seus nós. Assim como as roupas são formadas por trama de fios, nosso sintoma também: fios de palavras. O uso do fio pode ser problemático “perdendo-se a linha” e gerando nós ou pode se transformar em roupas. Como psicanalista, acolho o fio e os nós que meus pacientes trazem para suas sessões. Cada encontro, um corte, uma costura e uma descostura, vamos construindo uma nova roupa com o mesmo fio. Espero que minha amiga ache seu alfaiate para que ela possa vivenciar essa experiência capaz de transformar a vida de alguém, que o queira. Sinceramente, tomara que ela chegue ao psicanalista, pois senão terá ficado apenas com mais um desaperto por falar, que alivia, mas… não resolve!
(*) Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei, onde também contribuí como pesquisador. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Contato para atendimentos psicológicos (35) 3212 6663 / 99993 6663.
(Artigo publicado, originalmente, no Jornal Folha de Varginha)
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