Janilton Gabriel de Souza*
Você é do tipo que fala tudo o que lhe vem à cabeça, doa a quem doer? Ou daquele que guarda tudo para si, mas sempre explode?
As duas circunstâncias descrevem a maneira de se colocar na linguagem. Cada perfil parece distinto, todavia tais sujeitos guardam uma semelhança, a de se atrapalharem a partir de suas fantasias. No primeiro caso (dizer tudo, com a ilusão de ser “verdadeiro”), o sujeito porta-se como se a opinião dos outros nada lhe significasse; No segundo, inibe-se por temer desagradar.
A maioria das pessoas sofrem por não se permitirem fazer o que querem com medo do julgamento do outro. Talvez a “sociedade do espetáculo”, hoje, contribua para isso, pois prevalece o imaginário (imagem) como elemento valorizado. Na mídia, qualquer possibilidade de escândalo é contida com afastamento de profissionais. Desse modo, antes que se avalie o fato, a condenação do possível olhar dos outros é antecipada. A mídia que vive desse olhar teme perdê-lo. Ela se mantém pela audiência, em todo caso. Qual é o lugar desse olhar para as pessoas? Elas são dependentes dos likes? Para quê? Em alguns casos se lucra com isso, mas em outros é apenas uma forma de existir e ser reconhecido pelo olhar do outro.
Na Psicanálise, em certas estruturas psíquicas, a lida com a linguagem é semelhante à de um jogador de cartas. O sujeito tendo a dispensar todas suas peças, lança-as à mesa com ilusão de ser aceito pelos demais. Essa atitude, muitas vezes, o faz perder-se e perder na partida, pois a necessidade é a de ser amado. Por isso, essas pessoas nutrem grande dependência, fazendo de tudo para aceitação do outro. O cuidado com o próximo ocupa o lugar daquilo que querem, vivendo, assim, insatisfeitas diante do que anseiam para si. Se tentam ser claras falando em demasia, denunciam com isso a ausência de nitidez de suas questões, de seu querer e sobre o saber disso. Em outras palavras, acabam projetando nos demais o que querem e ignorando que isso pertence a si próprio. O sofrimento decorre do descompasso daquilo que o outro quer e que o próprio sujeito anseia. Projetar o desejo no outro é nunca o realizar.
Em outro perfil, sempre se deixam cartas na manga, preferindo se silenciar com a ilusão do outro já conhecer seus desejos. Essa suposição é característica, pois para esse sujeito tudo circula no pensamento. Por pensar demais, sua dificuldade reside em lançar-se à ação. Assim, ficam inibidos e seus desejos permanecem como impossíveis, afinal são sempre protelados por almejarem a cartada perfeita. Como essa última não existe, eles são jogadores do “se”: “Se tivesse arriscado aquela carta ou entrado no jogo, talvez teria se divertido”. A metáfora das cartas é interessante, nesse caso, pois trata-se de um esconder e mostrar, em outras palavras estar vivo ou morto diante do desejo. Nesse caso, talvez os pensamentos em demasia possam fazer o sujeito supor que o outro pense, logo o condene, tal como ele internamente faz em seu jogo.
Em ambos os casos, existe a ilusão de se obliterar o mal-entendido, embora esteja posto ao falarmos. Esses sujeitos fazem uso de formas sintomáticas desse descompasso através de uma linha imaginária, que supõem que o outro sabe e deve satisfazer seus desejos. Só que, assim como no jogo de cartas, não se pode esperar que os outros joguem as cartas pelo jogador da vez. Transformar o jogo em diversão, no qual possa brincar com leveza, é um saber fazer que se descobre com certo custo. Estrategicamente, ganha aquele que souber manipular bem as cartas, ora aguardando o momento decisivo para inserir a carta da manga, ora pela soma delas.
O jogo é complexo e envolve o tom de voz, a precipitação da imaginação do adversário pelos gritos, as chamadas e as encenações. Nem sempre quem grita “truco” tem tudo para levar o jogo, pois trata-se de uma partida que depende da movimentação de cada um. Lidar com isso é algo que se aprende nas e com as relações humanas. Às vezes, isso só fica em evidência através da intervenção do psicanalista em um tratamento durante o qual pode-se escutar o grito da carta decisiva quando não se tem nenhuma ou do amontoado de peças sem valor. A linguagem está dada, lance suas cartas.
(*) Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei, onde também contribuí como pesquisador. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Contato para atendimentos psicológicos (35) 3212 6663 / 99993 6663.
Originalmente publicado no Jornal Folha de Varginha.
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