Janilton Gabriel de Souza*
Há quem odeie ser cobrado, mas, paradoxalmente, cobra excessivamente os outros. A exigência consigo mesmo e o querer que tudo seja perfeito ou justificado através da racionalização e do planejamento ostensivo estão na base do imperativo “superexigências”. Onde começa tanta exigência? Ela vem do outro? Daquilo que supomos que o outro quer de nós?
Freud, no último capítulo de “O Mal-estar na Civilização”, descreve que há uma amplitude daquilo que existe internamente no sujeito com aquilo que a cultura apresenta a ele. Aquilo que enxergamos na sociedade nada mais é do que uma projeção do que acontece dentro de nós. Nesse contexto, o sujeito pode tomar os discursos que regem a sociedade, o do capitalismo e o das ciências, achando que é “obrigado” a fazer e aderir a essas demandas, sendo que não o fazer poderia desencadear a sua infelicidade. Esse processo diz da alienação subjetiva do sujeito a tais discursos.
As pessoas sempre sofrem por um enredo, cuja história pode parecer ser determinada pelo outro. A queixa é exatamente essa. Entretanto, apesar dos percalços, na vida há bons meios para transformar-se de ator em autor. A mudança de posição na cena, da qual se queixa, não é fácil e isso é praticamente bloqueado quando existe uma cristalização no sintoma. Isso tangencia e impede a movimentação do sujeito, fazendo-o sofrer. Uma das formas mais comuns frente a essa cristalização é o aumento do número de cobranças, de que falávamos, do sujeito consigo e com os outros.
Freud, em um segundo momento da clínica, irá descrever as instâncias psíquicas, como: Eu (ego), Supereu (superego) e Isso (Id). O Isso seria a porção mais Inconsciente, onde residiriam as pulsões de desejo do sujeito. O Supereu, “mergulha suas raízes no Isso e, de uma maneira implacável, exerce as funções de juiz e censor em relação ao Eu” (ROUDINESCO & PLON, 1998). Essa instância que proibiria o sujeito de fazer as coisas, pois estaria intimamente ligado à relação da culpa do sujeito, que tem a função de torturadora.
No Interfaces, Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, outro dia cometi um “ato falho”, que é uma manifestação do Inconsciente ao tentar dizer uma palavra e acabar trocando-a por outra. A troca foi que, ao invés de dizer “Supereu”, disse “SuperIsso”. Como toda falha dessa diz muito do falante, talvez revele um pouco do meu percurso junto à Psicanálise, especialmente, na condição de paciente. Durante muitos anos percorro a árdua caminhada do tratamento psicanalítico, somam-se cerca de 18 anos, tendo chegado à maioridade de análise. Quem supõe que uma análise nos deixa mais sérios, engana-se. Uma análise nos deixa mais bem-humorados. Lacan dizia-se com 5 anos de idade, período em que ainda não incidem as repressões e resistências, o que permite o sujeito desejar sem o confronto da adolescência e nem o regramento da idade adulta.
Aqueles que convivem comigo sabem que, ao auge dos 31 anos completados neste mês de abril, estou mais próximo da experiência de uma criança. Como uma criança que sabe que a graça está em lançar-se, tornando-se ao mesmo tempo ator e autor daquilo que deseja.
Como todo púbere, a alegria está na capacidade de invenção. Quem perde seu tempo se cobrando para ser o melhor, para isso ou para aquilo, fecha-se para o novo. Esse último não porta garantias. Mas viver é isso, lançar-se sem um Procon para reclamar de não ser exatamente como achou que foi combinado. É o que temos para hoje, pode não ser tudo, mas já é uma vida com in-finitas possibilidades.
(*) Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei, onde também contribuí como pesquisador. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Para saber mais sobre o atendimento clínico realizado pelo profissional, clique em Consultório.
Sem Comentários