Janilton Gabriel de Souza
Psicólogo, Psicanalista, Educador e Pesquisador. Mestre em Psicologia (UFSJ). Especialista em Psicanálise. Coordenador da Pós-Graduação em Psicanálise do Unis-MG e docente da graduação de Psicologia. Coordena o Núcleo de Psicanálise Interfaces. Escreve, mensalmente, no Folha de Varginha e Blog do Madeira. Edita do site Janilton Psicólogo. Atua em seu Consultório.
Os homens nunca se sentiram tão perdidos em toda história ocidental. O questionamento sobre o que é ser homem replica uma necessidade do nosso tempo.
Para os homens, antes, havia dois possíveis destinos demarcados na cultura: ser o provedor de uma família ou destinar-se à vida do celibato. Arranjo muito presente a partir do século XVIII, época em que a família burguesa é inventada para conter os excessos sexuais masculinos. Quem se interessar em aprofundar sobre esse assunto pode recorrer ao trabalho do historiador francês Philippe Ariè, no livro “História social da criança e da família”. Nele, é possível compreender que a noção de família, tal como a que foi difundida, nasceu somente no século XVIII e sua origem não está ligada a nenhum modelo sacro, ao contrário, é estruturado a partir de uma prática sexual de excessos. Este tipo de família visava assegurar que a criança fosse de fato filha daquele homem e não de outro, garantindo a transmissão do patrimônio para os legítimos herdeiros.
Hoje, tenho uma leitura adicional: Esse modelo de família patriarcal teve, também, o propósito de “calar” a voz feminina e o seu desejo. No cerne da evolução desse modelo, manifestou-se o adoecimento das mulheres, nos casos de histeria de conversão, ou seja, sintomas no corpo como impossibilidade de andar, falar ou enxergar. Tais sintomas não tinham em sua gênese uma causa física, mas psíquica. Em vez de categorizar essas mulheres de loucas, bruxas e de dizer que elas encenavam, Freud se dispõe a escutar o que essas mulheres diziam. É a partir disso que ele inventa a Psicanálise: Um fazer que passou a se ocupar das manifestações do Inconsciente. Dentro dessas manifestações, Freud dirá do sintoma, cuja definição seria aquilo que o sujeito ignora e que retorna, nesse caso no corpo. Daí a ideia de que o sujeito é falado, ou seja, esse sintoma diz algo daquilo que ele se esforça em ignorar.
Li recentemente o romance baseado em eventos históricos da Martha Freud (Madame Freud: Um retrato íntimo e revelador do pai da psicanálise pelo olhar de sua esposa, da psicanalista francesa Nicolle Rosen). Nele, Nicolle apresenta como teria sido para a esposa de Freud renunciar a seus desejos. Como seria viver à sombra de um gênio? A autora escreve a partir dessas especulações e de documentos daquilo que se sabe da história de Freud e sua família. O convite à reflexão vale cada página, que se estabelece como se fosse uma troca de cartas entre Martha e a psicanalista, a partir da morte de Freud. O desenrolar ocorre pela indagação da psicanalista à Martha, desejando dela saber um pouco mais. É bonita a narrativa, pois remete à própria Psicanálise, de dar voz a esse desejo inconsciente. Frente a ele, pode-se querer silenciá-lo ou fazê-lo falar. A edificação da cultura masculina consiste em fazer silenciar esse desejar feminino de in-finitas coisas. As mulheres são loucas, dirá Lacan, não toda, pontua. Isso porque suas formas de satisfação são múltiplas e variáveis, sua inscrição está para além da noção de in-finito.
Minha hipótese é que estamos vivendo em um tempo em que essas mulheres conseguiram e estão fazendo sua voz e seus desejos ressoarem. Nesse sentido, além dos movimentos femininos, a internet tem sido um canal para elas recriarem seu discurso e sua voz. Acho isso encantador, todavia essa não é a mesma empolgação dos homens que chegam aos nossos consultórios.
Os homens sentem-se incomodados diante da constatação do desejo das mulheres. Foi o tempo em que o casamento tinha status de para sempre, o que de certa forma era um modelo criado pelos homens para assegurar seu lugar de importância e valor fálico de poder sobre elas.
Isso funcionou durante séculos, como sublinha meu colega Contardo Calligaris em sua pesquisa sobre o tema. Como a história e evolução não seguem uma linearidade, é possível verificar um esforço dos homens machistas em restabelecer o modelo de outrora, sob o discurso de que no passado era melhor. Bom, nunca foi.
Ou talvez tenha sido para esses tipos de patologias masculinas, que sempre tentam mortificar o desejo do outro, controlá-lo para que ele possa seguir em seu castelo sombrio, sem precisar se movimentar. Para esses homens, uma mulher é tida como uma conquista. É interessante observar que o significante “conquista” sempre esteve presente nas cruzadas e “descobertas” de terras. É a marca do masculino, a tentativa de circunscrever o território ou o corpo do outro, tendo de fazer valer seu domínio sobre o outro. Um território de-marcado.
A verdade é que não existe conquista e muito menos a garantia. Os relacionamentos saudáveis são feitos de reinvenções permanentes. Isso assusta o modo de operação sintomática masculina, que atualmente quer fazer calar o desejo do outro, para que ele viva em paz, sem ter que se dar o trabalho de desejar e se inventar.
Apesar do movimento mundial de um discurso de retrocesso, de tentar voltar aos modos anteriores, as mulheres seguem questionando a supremacia masculina. Frente a esse questionamento, há dois movimentos: o de tentar fazer parar e retroceder e o de se angustiar e se perguntar como ser um homem, hoje.
Dizer que o mundo está mudando é um verdadeiro pleonasmo, afinal, como lembrava Heráclito, a transformação é sempre constante. A única certeza que temos é que nada permanece o mesmo. Acrescento, além da ilusão de permanência.
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