Janilton Gabriel de Souza
Psicólogo, Psicanalista, Educador e Pesquisador. Mestre em Psicologia (UFSJ). Especialista em Psicanálise. Coordenador da Pós-Graduação em Psicanálise do Unis-MG e docente da graduação de Psicologia. Coordena o Núcleo de Psicanálise Interfaces. Escreve, mensalmente, no Folha de Varginha e Blog do Madeira. Edita do site Janilton Psicólogo
O ano não foi fácil para ninguém. Houve intensos ataques aos outros e suas diferenças. O mal-estar com o olhar ecoou na fala das pessoas em nossos consultórios e nas conversas cotidianas. Afinal, o que será que nos incomoda no outro, a ponto de querer nos afastarmos dele ou destruí-lo?
Em um tratamento psicanalítico, inicialmente, o sujeito tende a queixar-se dos outros, do quanto eles o incomodam ou lhe fazem mal. Com a evolução do tratamento, aos poucos, o sujeito percebe que o incômodo de que se queixa no outro refere-se às suas próprias questões: se acha o outro autoritário, percebe que também o é; se diz da incompetência do outro, dar-se-á conta da sua própria.
Freud, criador da Psicanálise, descreve em “Psicologia de Grupo e Análise do Eu” (1921), que a identificação é o que há de mais primitivo no sujeito. Isso ocorre porque somos constituídos pelo Outro. Jacques Lacan mostra isso em seu texto “O estádio do espelho”: É através do olhar do outro que nos constituímos. Isso é tão forte em nós que em um tratamento são as últimas questões a caírem e serem atravessadas.
Dizíamos, o ano não foi fácil para ninguém, houve pessoas que pararam suas vidas ao perceberem que suas fotos tinham poucas curtidas e algumas que preferiam sair do Instagram pelo mesmo motivo, o que fez a empresa de Mark Zuckerberg retirar a contagem dos likes. E você, ingenuamente, achando que fizeram isso porque preocupavam com sua saúde mental.
O psicanalista Rudy de Cingapura, que esteve presente em nosso “Simpósio Internacional da Pós em Psicanálise” do Grupo Unis, trabalha com a hipótese de que as pessoas não postam suas fotos no Instagram somente por uma questão narcísica, mas porque necessitam do reconhecimento do outro. É difícil perceber essa função do olhar no funcionamento psíquico, talvez porque nos valemos de mecanismos em que projetamos no outro nosso lado mais obscuro e os desejos nunca confessados.
Neste ano, houve ataque às minorias e às diferenças. Resultado? Adoecimento psíquico da população, pois, quando a palavra se faz silêncio, o ato fala. A violência de toda maneira é o exemplo disso, especialmente na epidemia de suicídios e feminicídios, tendo esse último triplicado. A censura às diferenças é um ato de violência contra a expressão do outro. Ao ser realizada por aqueles que ocupam um lugar de líder, transmite-se aos que com ele se identificam a liberalidade de fazerem o mesmo com aquilo ou aqueles que destoam de si, a exemplo dos homens contra as mulheres. Ao se amparar na lógica dos “bons costumes”, o que entra em jogo é a tentativa de dominar o corpo do outro, ditando as formas dele de gozar (homens só com mulheres?!).
Nesse quadro patológico, é necessário levar-se cada vez mais a sério ou em outras palavras em séries, nas quais aquilo que destoa deve ser atacado e eliminado. Foi o que aconteceu com o especial de Natal do Porta dos Fundos, que traz uma versão bem-humorada de Jesus. Por que alguns se sentiram ofendidos? Na trama, Jesus teria sido tentado pelo diabo, um homem ao qual ele teria rendido aos encantos. A polêmica gira nisso. Dentre os que criticam, alguns assistiram e outros comentam sem nunca terem se dado o trabalho de ver, o que pode ser um sinal da alienação ao discurso do outro na forma mais massiva. O especial não trouxe nada de novo, pois a ideia foi aventada em outros momentos da história.
As pessoas sentirem-se atacadas por esse humorístico deve-se ao fato de colocarem em xeque a sexualidade de Cristo. Dentro daquilo que se sabe de Jesus, sua vida pessoal é um mistério. Entretanto, se ele se fez homem, como é descrito, é certo que a sexualidade o tenha atravessado. Para que as pessoas estariam interessadas no modo de Jesus gozar? Que diferença faz, se foi com homem, mulher ou ele fez a opção de não ter relações sexuais? Se ele teve desejos por homem, qual o problema? Podemos apenas perguntar como uma curiosidade sobre isso, mas quando a constatação do desejo homossexual é algo que gera um incômodo ao ponto de jamais não se permitir nem pensar sobre isso ou a assistir a uma comédia, já não é por questão de “respeito” ou a falta dele que preferimos não saber.
Por sermos constituídos pelo outro, nosso ser é uma ficção e constatar desejos homoafetivos no outro é sinônimo de nos perguntar: Será que não tenho o mesmo desejo? O medo é constatar a afirmativa. A clínica nos mostra que quanto mais o sujeito repreende ou condena tais desejos no outro mais provável de possuí-los. Nesse caso, o dito popular: “Quem desdenha quer comprar” é verdadeiro. Quando se está bem com a questão de qual forma nos satisfazemos, o diferente não deve incomodar-nos, no máximo ser fruto de reconhecimento que o outro goza de uma outra forma. O ódio, como comenta Freud no texto “Pulsões e seus destinos” (1915), nada mais é do que o amor, figurando apenas como um lado distinto da mesma moeda. O contrário a eles seria a indiferença.
Assim, onde há ódio existe amor e criticar o outro é só uma defesa contra o seu próprio desejo. Nesse caso, se você diz de João, é mais de você que conta do que dele. Em outras palavras, ao falar do outro é do seu desejo que diz. Em se falando de desejo, que você suporte dar conta do seu e ao fazê-lo experimento os prazeres possíveis para ti. É provável que não lhe reste tempo e nem muita vontade de querer julgar o modo de satisfação do outro, pois estará ocupado com o seu. Se isso lhe parecer difícil, o investimento em um tratamento psicanalítico pode ser melhor, a longo prazo, do que ficar assistindo seus desejos no outro e julgando-o, de NOVO.
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