Janilton Gabriel de Souza Psicólogo, Psicanalista, Educador e Pesquisador. Mestre em Psicologia (UFSJ). Especialista em Psicanálise. Coordenador da Pós-Graduação em Psicanálise do Unis-MG e docente da graduação de Psicologia. Coordena o Núcleo de Psicanálise Interfaces. Escreve, mensalmente, no Folha de Varginha e Blog do Madeira. Edita do site Janilton Psicólogo.
O mundo se transformou, radicalmente, nos últimos 5 anos: a maneira como nos comunicamos, ouvimos música, assistimos a filmes, lemos e escrevemos mudou. Graças à internet, há inúmeros benefícios, desde a facilidade em pedir comida, fazer pagamentos e até conversar. Não dá para imaginar que um dia fomos à locadora para alugar filme e hoje ele está na tela da TV, do Tablet ou do Smartphone. O mundo já não é o mesmo e a dificuldade em admitir isso leva alguns a serem saudosistas e preferirem o mundo de antes. Apesar deles, a única certeza é de que tudo pode se alterar. Essa mudança permanecente poderia tornar as pessoas aptas ao novo? Para refletir, analisaremos algumas conjecturas.
É possível dizer que passamos a categorizar tudo como uma forma de sintetizar problemas, diferentemente da proposta da epistemologia cuja finalidade é aprofundar o saber de algo. Em Saúde Mental há anos existe um movimento de nomear agrupamentos de sintomas como transtornos, simplificando a complexidade da natureza do problema. Alguns acreditam que houve um aumento do número de diagnósticos, recriando a célebre ideia de Machado de Assis em O Alienista, em que Simão Bacamarte interna cada um a partir do parâmetro de anormalidade, até sobrar apenas ele próprio. A simplificação pode ser um sintoma grave e ele talvez seja fruto da nossa forma de relacionar… inclusive, com a tecnologia.
Os efeitos na subjetividade pelo uso excessivo da tecnologia são difíceis de se mensurar, embora seja possível levantar uma hipótese: ela redireciona o sujeito para o consumo de soluções imediatas e rápidas. Para isso, a inteligência artificial é programada para criar mecanismos de indução à venda daquilo que manifestamos interesse no buscador ou na curtida na rede social.
Nesse campo, a política não sai diferente. A polarização entre a ultradireita e a militância esquerdista vem demonstrando o mesmo fenômeno, a simplificação de ideias em conjunto de conceitos. Um exemplo disso, constatei na conversa com um amigo que criticava as universidades públicas, ao seu ver, por utilizarem autores que categorizou como de esquerda. Entre os autores que citou estava Michael Foucault. Fiquei perplexo, afinal quem ler apenas uma meia dúzia de livros dele logo descobrirá que suas ideias são mais liberalistas do que esquerdistas. Aliás, para quem desejar, saiu, recentemente, um livro em que estão transcritas duas entrevistas, inéditas, de Foucault de 1979 “O Enigma da Revolta” (N-1 Edições, org. Lorena Balbino).
A simplificação e a hipocrisia podem ser ampliadas a partir da tecnologia, pois é possível identificar-se com outros ignorantes que se colocam como conhecedores do assunto, porém, assim como meu amigo, nunca leram sequer um texto de quem criticam. A sensação de poder se proteger através de nomenclaturas é um recurso psíquico presente nas relações. Estamos diante de um imperativo, que nos coíbe de não denunciar a falta de um saber. Esse recurso Freud chamou de mecanismo de defesa e serve como uma proteção. Isso produz efeitos nas relações, ausência de escuta do outro, ensurdecimento e a divisão do mundo entre vermelhos e azuis ou, em uma linguagem digital, entre zero ou um, em outras palavras, entre quem tem e quem não tem, presença e ausência.
Freud levanta, inicialmente, como hipótese do surgimento da neurose, a moral da sociedade da época e os recursos precários que não permitiam as pessoas exercerem a sexualidade. Só mais tarde que desconfiará que o modo de as pessoas produzirem aquela moral era a própria defesa contra algo difícil de suportar, a sexualidade. Talvez a maneira de nos defendermos das transformações esconda nossa própria resistência ao inusitado.
” (…) esse saber foi construído por algoritmos e em última análise por pessoas”.
Ronaldo Lemos, no Jornal Folha de São Paulo, parece ter percebido que o problema da polarização não está entre direita e esquerda, mas muito mais em um discurso realista e outro fantasista. Seria de esperar que, frente a toda essa evolução tecnológica, as pessoas colocariam em xeque seus saberes e estariam abertos para o conhecimento. Todavia, as buscas não têm se tornado motriz de outras e do desejo de saber, elas têm servido ao fechamento de questões de forma rápida a partir da confirmação da ideia no Google. Ter acesso ao Google torna-se sinônimo de saber o que ele discrimina em seus resultados, mas esse saber foi construído por algoritmos e em última análise por pessoas.
Diante do acesso à informação e ao conhecimento advindos com a tecnologia, era de se esperar que estivéssemos mais abertos ao novo e a conhecê-lo, entretanto continuamos em um “velho” funcionamento: predispostos a fechar questões, cercear dúvidas com respostas sem abertura para reflexões. Ronaldo tem razão ao confrontar Dick, McKenna e Wilson, que apostavam que a tecnologia abriria um espaço para dúvidas, afinal o que vemos é o endurecimento de certezas, o isolamento e fechamento com os iguais. Isso aumenta as certezas e as loucuras. Será que estamos enlouquecendo em rede ou estamos conectando uma rede de vários tipos de enlouquecidos?
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