editorial
A subversão da psicanálise
e sua orientação política
Antonio Quinet
antonioquinet@gmail.com
A Escola de Psicanálise é nosso instrumento político para transmitir a psicanálise, fazendo com que ela cumpra a sua função no mundo. Ela é o lugar onde os “trabalhadores decididos” não estão a serviço do discurso do mestre, do universitário ou do capitalista, tampouco a serviço do gozo de alguém que acredita ser o UM, mas, sim, a serviço do discurso do analista. Trata-se de um organismo que tem por função política “restaurar a verdade no campo aberto por Freud; desenvolver ou trazer a psicanálise ao dever que lhe cabe em nosso mundo; criticar e denunciar os desvios e compromissos que amortecem seu progresso degradando seu emprego”.
A psicanálise é subversiva, mas os analistas são conservadores e reprodutores da ordem vigente, por demais condescendentes com a “civilização”. Porém não todos! Nossa civilização está cada vez mais contaminada pela barbárie, em vários níveis: barbárie da espoliação capitalista, da segregação, das guerras e da destruição do meio ambiente. A história da psicanálise nos mostra a “engenharia humana” na qual ela se transformou, com sua psicologização e foraclusão do inconsciente, com a condescendência – quando não a participação – de analistas nas ditaduras militares, com a homofobia das instituições psicanalíticas e suas teorias, e até mesmo a discriminação homoterrorista de alguns psicanalistas na Europa contra as leis do casamento gay e da homoparentalidade. Daí a necessidade de uma crítica assídua, para que a psicanálise não seja degradada e engolida pela religião, pela ciência ou pelo discurso capitalista. Não foram os psicanalistas, por exemplo, que promoveram as mudanças mais recentes na sociedade contra a patologização e discriminação derivadas do racismo sexual, e sim os movimentos sociais. E, no entanto, de Freud a Lacan a psicanálise fornece as armas contra o mal-estar da civilização. Até quando nós, analistas, ficaremos a reboque das mudanças contemporâneas de subjetividade e das transformações dos sinthomas?
Na terceira parte da “Proposição sobre o Analista da Escola”, Lacan se refere ao que ele chama de “nossas relações com o exterior”. Aí fica mais clara a questão política, ou, mais precisamente, “a extraterritorialidade da psicanálise”, onde ele situa as famosas três linhas de facticidade, que são, de fato, três orientações políticas para a psicanálise. São três aspectos da civilização, que podemos repartir em simbólico, imaginário e real, e contra os quais o psicanalista deve se opor.
No registro do Simbólico, trata-se da ideologia da família pequeno-burguesa, que na verdade é a filha do casamento do capitalismo com a ciência, no templo da religião. Muitos analistas ainda confundem o complexo de Édipo com o edipismo da família tradicional pai-mãe-filho biológicos, batizados e com registro civil. E daí falam barbaridades, conduzindo análises e escrevendo teorias nas quais abundam o preconceito, a discriminação e a patologização de tudo o que sai de uma suposta norma edipiana. Se Judith Butler criticou o Édipo freudiano como heteronormativo e dominado pela ideologia machista em que a mulher está em segundo lugar entre os sexos, certamente o fez porque os analistas não fizeram uma re-visão de suas leituras equivocadas. E além disso, não foram mais adiante na reformulação constante do Édipo em Freud. E também em Lacan, que o situa como o quarto elo do nó borromeano que liga os três registros do fala-a-ser. O Sinthoma é um Nome-do-pai para o neurótico, que se expressa como letra na singularidade de cada um. O Édipo na psicanálise merece sempre ser re-visto.
No imaginário, é a estrutura do grupo constituído a partir do Um, como Freud dissecou na “Psicologia das massas”: o S1 encarnado por uma pessoa que se torna assim líder, guru, ideal de eu de um grupo submisso e hipnotizado. Trata-se, com Lacan, da repercussão no coletivo da política do Um, do Todo Fálico, da lógica do Uni-verso onde todos são iguais e castrados, impotentes frente ao Um do poder. Em oposição a isso há a lógica da Heteridade, de não fazer universo, do conjunto aberto de “dispersos disparatados” (Lacan), do enxame de S1, do modo de funcionamento em rede, do somatório de singularidades que não se fecha e nem cabe em uma panela de pressão.
No registro do Real é o processo de segregação e racismo, cujo pior exemplo nos é dado pelo campo de concentração nazista. Trata-se do efeito do rechaço do real, que pode se expressar como um mal radical que cada um leva dentro de si e projeta no outro. Daí o outro se transformar em inimigo a ser eliminado. Trata-se, a partir da lógica do Um, de um rechaço da heteridade, repúdio ao outro como radicalmente outro, como um Diferente. Todo aquele que não é “Mesmo” é gradualmente discriminado, isolado, perseguido e eliminado. O racismo é a tentativa de situar no Outro o nosso gozo extraviado, na medida em que estamos dele separados.
Qual a saída? “Deixar a esse Outro seu modo de gozo, eis o que só se poderia fazer não impondo o nosso, e não considerando-o como um subdesenvolvido”. (Lacam, Televisão) Aceitar a diversidade do gozo, suas múltiplas modalidades é uma indicação ética que deve orientar nossa política. A política da psicanálise é a política do Sinthoma, cada um com seu modo de gozar do inconsciente.
Textos e autores deste número:
Em “Teoria da Transformação em Psicanálise”, Christian Dunker demonstra que o inconsciente é uma hipótese ética que propõe um sujeito incluído e transformado pela enunciação dessa mesma hipótese. Em “A histeria e o DSM-5”, Sandra Chiabi mostra o desaparecimento da histeria na psiquiatria em prol de uma clínica da medicação. Em “De onde vêm as crianças – Sigmund Freud e Bertha Pappenheim (Anna O.)”, Raquel Jardim Pardini nos desvela uma Bertha escritora de contos infantis que passa de uma talking cure para uma writting cure. Raissa Dantas em “Além das Barragens: Amor e Gozo na obra de Marguerite Duras” encontra na obra dessa escritora apontamentos da relação da protagonista com o Outro gozo a partir da relação amorosa com um homem. Mariangela Bazbuz em “O que perdura de perda pura” descreve o caminhar na análise do analisante e as respostas do analista.
O artista convidado para este número para compor nossa galeria de arte das capas dos textos e deste número 7 é Paulo Pena. Fez sua pós Graduação e Mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP, e Pós-graduação na Byam Shaw School of Art, em Londres. Dentre suas exposições recentes, temos: Hora Absurda (SP, 2011-12); Pelago (SP, 2009);Figuren Aus Brasilien (Alemanha, 2006); Le Corps de La Gravure Bresiliènne (Quebec); Gravure extreme – Europalia Brasil(Bélgica, 2011-12). Seus trabalhos encontram-se no site: http://paulocamillopenna.blogspot.com.br
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