VINGANÇA
Janilton Gabriel de Souza*
Nem todo amor termina com a separação ou mesmo a morte do amado. Há amores que perduram além da vida e assombram aqueles que ficaram com pendências psíquicas com seus amores perdidos.
Em uma roda de amigos, ouvi uma história “amarga”, que todos pareciam conhecer. Apenas escutei, pois, como Freud escreve no texto “Psicanálise selvagem”, não devemos interpretar alguém que não pediu para ser analisado. Nenhuma interpretação descontextualizada contribui; pelo contrário, aumenta a resistência do sujeito. Em caso de amizades, uma interpretação assim pode desencadear o rompimento do vínculo. História é história, então ouvi.
A mulher casou-se, exclusivamente, para ter um filho. Não é incomum esse desejo feminino. Ter um filho, muitas vezes, pode ser uma tentativa para a resposta do “ser mulher”, que passa longe do “ser mãe”. Essa fantasia é um caminho, invariavelmente, frustrante. No caso dela, o filho não veio. A falta da prole recolocou o problema em seu lugar: um sintoma em que o sujeito experimenta um prazer em ficar como insatisfeito, em outras palavras, certo gosto pelo sofrimento.
Termina-se o casamento, pela vontade dela. O ex-marido assume um novo relacionamento, alguns anos depois. Ela diz ter se arrependido e criado em sua cabeça a interpretação de que a atual companheira de seu ex-marido quis provocá-la quando, um dia, olhou para ela.
Em sua ideia, a mulher de seu ex-marido seria a responsável por toda a sua infelicidade e, por isso, julgava-se na condição de produzir uma espécie de “vingança” à outra. Tal “vingança” seria ter que ser vista, diariamente, pelo casal. É certo que sua atitude tem um efeito adverso: fortalece o vínculo do casal, alvo de sua ira, e a atual companheira fica com a certeza de que, nessa rivalidade, ela é quem está casada com ele. Imaginariamente, a mulher atual porta algo de valor que a senhora insatisfeita não tem: um marido.
O amor da mulher pelo ex-marido não morreu, simbolicamente, pois todos os dias ela presta a homenagem póstuma ao seu desejo insatisfeito: não teve o filho, não tem o marido, não tem usufruto de sua vida, mas tem a satisfação de “vingar-se” com sua presença. Satisfação em permanecer insatisfeita, ou seja, em não fazer nada por si, mas pelos outros, ainda que nesse caso seja ocupar-se de uma “vingança”.
Quando minha companheira e eu despedimos dessa senhora e sua história de um passado sem fim, ela disse que antes era jovem, como nós, mas agora estava velha, à espera… (Não completou a frase, mas deu para compreender que era da morte que quis dizer). O preço de sua vingança custa-lhe a vida. Não se casou outra vez, não fez mais nada além de viver do seu incômodo e da fantasia de que, um dia, isso que não a faz se sentir bem possa ser transferido aos outros, para que eles sofram ao invés dela. Antecipamos a saída, não me pareceu uma interpretação, mas um jeito de deixá-la se velar em paz.
(*) Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Psicologia (Psicanálise) pela Universidade Federal de São João Del-Rei, onde também contribuí como pesquisador. Especialista em Teoria Psicanalítica. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Editor do site Janilton Psicólogo (www.janiltonpsicologo.com.br). Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicanálise, Interfaces. Contato para atendimentos psicológicos (35) 3212 6663 / 99993 6663.
Conteúdo, originalmente, publicado no Jornal Folha de Varginha / Blog do Madeira.
Sem Comentários